terça-feira, 28 de junho de 2011

Cláusula Limitativa de Cobertura Securitária

Divulgamos, neste ato, sentença da Justiça Federal de NH, 4ªR, onde obtivemos êxito na nulidade de cláusula limitativa de cobertura securitária, contra CEF e Caixa Seguradora.
Colocamos-nos à disposição para atendimento na área revisional de contratos.


AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO) Nº 2009.71.08.002990-1/RS
AUTOR:
ADVOGADO
CAROLINA GABRIELA PETRY
RÉU:
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
ADVOGADO:
CAROLINNE GUIMARAES ENGEL
RÉU:
CAIXA SEGURADORA S/A
ADVOGADO:
MARCO AURELIO MELLO MOREIRA

SENTENÇA

1. RELATÓRIO:
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX. propuseram ação ordinária em face da CEF e da CAIXA SEGUROS S/A, relatando que a autora e José Teodoro firmaram contrato de mútuo habitacional com a primeira requerida em 13.03.07, sendo correntistas dessa desde 2001. Informaram que o pagamento seria efetuado em 240 meses; José seria responsável por 82,79% da renda e a requerente por 17,21%, tendo pactuado seguro habitacional obrigatório. Referiram que, em 06.10.07, o mutuário José faleceu de forma súbita em sua residência, tendo a demandante, em 23.10.07, efetuado comunicação de sinistro e postulado a cobertura de 82,79% do saldo devedor, a qual foi indeferida administrativamente em 28.02.08, sob alegação de doença preexistente, com base no § 1º da cláusula vigésima segunda. Salientaram a aplicabilidade do CDC, afirmando que a cláusula não foi discutida anteriormente nem colocada em destaque. Alegaram a boa-fé do mutuário e a má-fé do agente financeiro.

Requereram, em sede de antecipação da tutela, autorização para depósito judicial do valor das prestações, calculado de acordo com o percentual cabível à mutuária Mayra, que fosse vedada a execução extrajudicial, bem como a inscrição de seus nomes em cadastros de inadimplentes, sob pena de multa. Em cognição final, postularam que fosse declarada a nulidade da cláusula 22, § 2º do contrato havido entre as partes, com quitação do saldo devedor correspondente ao mutuário José Teodoro (82,79%), confirmando-se a antecipação da tutela para calcular a prestação mensal do financiamento de acordo com o percentual de responsabilidade da autora (17,21%). Pediram, ainda, a condenação das rés ao ressarcimento dos valores pagos a maior (82,79% da prestação mensal) desde o falecimento do mutuário (06.10.07) até o final da ação, caso não concedida a antecipação da tutela, ou, alternativamente o abatimento dessa condenação no financiamento remanescente. Juntou documentos.

O pedido de antecipação foi indeferido, sendo concedida a assistência judiciária gratuita (fl. 45).

A parte autora interpôs agravo de instrumento contra a decisão.

Citada, a Caixa Seguradora S/A apresentou contestação (fls. 64-91). Argüiu preliminares de ilegitimidade ativa e ilegitimidade passiva em relação ao pedido de antecipação da tutela. No que tange ao mérito, comentou a legislação atinente ao seguro e o contrato firmado entre as partes. Sustentou a ausência de cobertura nos casos de doença preexistente, bem ainda que não teria violado os termos da apólice. Requereu a improcedência do pedido e juntou documentos.

A CEF também contestou (fls. 150-161). Argüiu preliminar de ilegitimidade passiva e, no mérito, sustentou a ausência de previsão legal ou contratual que contemple a cobertura do seguro em caso de doença preexistente. Postulou a improcedência do pedido.

Dada vista, a parte autora apresentou réplica.

Foram afastadas as preliminares de ilegitimidade passiva das rés, bem como de ilegitimidade ativa (fl. 172).

O TRF4 negou provimento ao agravo de instrumento (fl. 173).

Intimadas as partes, a Caixa Seguradora interpôs agravo retido e pediu a produção de prova testemunhal. A parte autora também pediu a realização de prova testemunhal.

A CEF também interpôs agravo retido.

Dada vista aos demandantes dos agravos retidos, foi mantida a decisão.

Deferiu-se a prova testemunhal (fl. 212).

Juntou-se cópia da sentença que julgou improcedente a impugnação ao benefício da AJG deferido à parte autora.

Realizada audiência, foi ouvida uma testemunha (fls. 230-232).

Apresentados memoriais, vieram os autos conclusos para sentença. Decido.

2. FUNDAMENTAÇÃO:

Cuida-se de demanda na qual a parte autora insurge-se, em breve síntese, contra a cláusula limitativa da cobertura securitária, existente em contrato de financiamento habitacional firmado com a CEF, nas hipóteses em que o óbito de um dos mutuários decorrer de doença preexistente, por reputá-la nula em razão da inobservância do disposto no artigo 54, § 4º do CDC. Também ampara sua inconformidade no fato de que não teria restado cabalmente comprovado que o evento morte decorreu de doença preexistente.

2.1. Considerações iniciais.

O contrato de financiamento, cujas cláusulas são objeto da atual controvérsia, foi assinado em 13.03.07, tendo como mutuários a autora e seu marido José Teodoro dos Santos Júnior (fls. 28-44).

Em garantia do pagamento, os autores comprometeram-se a pagar seguro (cláusula vigésima primeira) com cobertura por morte ou invalidez permanente, proporcional à participação de cada mutuário na composição da renda familiar declarada para obtenção do financiamento: 17,21% para a autora e 82,79% para seu marido (fl. 29).

Sobrevindo o falecimento do mutuário José Teodoro em 06.10.07(certidão de óbito da fl. 22), o sinistro foi comunicado à seguradora em 26.11.07, (fl. 147), a qual, em 20.12.07, negou a cobertura securitária, sob o fundamento da preexistência da doença que acarretara o óbito (fl. 148), conforme comunicação encaminhada à requerente em 28.02.08(fl. 4).

Gize-se que consta expressamente prevista nas condições gerais do contrato de seguro a exclusão da cobertura securitária quando a morte resultar de "doença adquirida antes da data da assinatura do contrato de financiamento desde que venham a causar o óbito do segurado nos 12 (doze) primeiros meses de vigência do contrato de financiamento" (cláusulas oitava, item 8.1, "a" - fl. 101 ), bem como no parágrafo primeiro da cláusula 22 do contrato travado com a CEF (fl. 38).

2.2. Nulidade.

Inicialmente, tem-se a considerar que o CDC é aplicável aos financiamentos bancários, nos termos da Súmula 297 do STJ.

A parte autora sustenta a nulidade da regra restritiva de risco com esteio no § 4º do art. 54 do mesmo diploma legal, o qual determina que as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

Acerca da nulidade das cláusulas contratuais, dispõe o art 51 do CDC (Lei n. 9078/90):

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;
III - transfiram responsabilidades a terceiros;
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
V - (Vetado);
VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;
VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;
VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;
IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;
XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;
XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;
XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;
XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias. (grifei)

Ora, a cláusula que estabelece a exclusão da cobertura securitária por morte decorrente de doença preexistente, quando ocorrida nos 12 primeiros meses de vigência do contrato, não se constitui propriamente em uma limitação do direito do consumidor, mas em uma garantia para a seguradora. Isso em razão da alta probabilidade da ocorrência do evento morte, cujo custo não pode ser repassado ao prêmio, uma vez que este não leva em consideração as peculiaridades de cada mutuário, mas apenas o valor do financiamento. Diante disso, tenho que a cláusula não é abusiva.

Contrariamente ao sustentado pelos autores na exordial, entendo também que tal cláusula foi redigida de forma clara e em fonte com tamanho apropriado à leitura, que, saliente-se, revela-se necessária por ocasião do estabelecimento do vínculo sob pena de as partes não assumirem qualquer responsabilidade quantos aos termos da avença ao amparo da hipossuficiência. Como se não bastasse, a clausula limitativa de risco está aposta logo no início do tópico "sinistro" que compõe o contrato entabulado com a CEF, bem como no subitem 8.1. da cláusula oitava, que integra as condições gerais da apólice de seguro imobiliário, não merecendo acolhida a tese vertida nos autos no sentido de seu desconhecimento pelos mutuários.

Logo, por não vislumbrar qualquer abusividade na cláusula limitativa de risco, que possa macular a higidez da avença, estou em desacolher a tese.

2.3.Doença preexistente.

O deslinde da controvérsia está condicionado, ainda, a verificar-se, se, no caso concreto, o evento morte decorre efetivamente de doença preexistente, o que legitimaria a exclusão da cobertura securitária sustentada pelas rés.

Com efeito, observa-se que a causa mortis registrada por ocasião do óbito foi "parada cardio-respiratória, miocardiopatia dilatada, cardiopatia isquêmica severa" (fl. 22).
Saliente-se, que o médico cardiologista, que firmou o atestado de morte, também preencheu o laudo anexo ao comunicado de sinistro, informando que o mutuário estava sendo acompanhado desde 10.12.06, quando diagnosticada a doença que possivelmente acarretou seu óbito (fls. 125-126).

Quando inquirido em juízo, o médico do de cujus relatou:

"O depoente atendeu o falecido José Teodoro no Hospital Regina no mês de dezembro de 2006, conforme assinalado no documento de fl. 125, que foi preenchido pelo depoente. Na época, observou que o falecido estava com arritmia cardíaca e doença arterial coronariana. O depoente passou a acompanhar o tratamento clínico do falecido a partir daquela data. O problema poderia levar o falecido ao óbito. Esclarece que toda doença cardíaca pode levar ao óbito. Informa que o falecido submeteu-se a um cateterismo e uma angioplastia, ambos realizados em julho de 2007, conforme laudo entregue neste ato. José Teodoro morreu de morte súbita, sendo diagnosticado infarto agudo do miocárdio. Ele também era diabético e hipertenso. Foi o depoente que constatou e atestou o óbito"

Ora, conquanto não se possa ignorar que o falecido efetivamente era portador de doenças cardíacas, não restou inequivocamente comprovado que estas foram decisivamente causadoras do óbito. Com efeito, as doenças prévias, arroladas pelo médico assistente que o acompanhava, são apontadas apenas como causas secundárias do sinistro, de modo que podem ou não tê-lo acarretado, segundo se extrai de trecho de seu depoimento "o problema poderia levar o falecido ao óbito. Esclarece que toda doença cardíaca pode levar ao óbito" e do comunicado de sinistro por morte (fl. 125).

Ademais, quando firmado o vínculo, a seguradora não procedeu a qualquer constatação técnica sobre o estado de saúde do mutuário, para que, em momento posterior, pudesse fazer valer a cláusula restritiva de risco. Ao revés, assumiu a posição confortável de perceber a rubrica correspondente ao seguro sem qualquer cautela.

Por fim, consoante ressai do instrumento de contrato, sequer foi proporcionado aos mutuários que informassem seu estado de saúde à época, ante a ausência de campo específico para tanto, sendo desarrazoada, portanto, a tese de que agiram de má-fé ao terem voluntariamente ocultado tais circunstancias.

Diante disso, merece parcial acolhida a pretensão da parte autora, porquanto não comprovado que o óbito, embora ocorrido dentro dos primeiros 12 meses de vigência do contrato, resulte de doença preexistente, de modo a configurar hipótese de exclusão da cobertura securitária.

Assim, a parte autora faz jus à quitação parcial do saldo devedor pela cobertura securitária no percentual de 82,79% de responsabilidade do mutuário falecido a partir do óbito (06.10.07), bem como ao ressarcimento dos valores indevidamente pagos a título de prestação nesse percentual a partir da quitação.

3. DISPOSITIVO:

Ante o exposto, julgo procedente o pedido para:

a) CONDENAR a Caixa Seguradora a proceder à quitação de 82,79% do saldo devedor do financiamento n. 104900000099 existente em 06.10.07, em razão do óbito do mutuário José Teodoro dos Santos Jr.;

b) DETERMINAR à CEF que recalcule o encargo mensal devido pela mutuária Mayra Teresinha Piardi dos Santos a partir de 06.10.07, em função da quitação parcial do saldo devedor;

c) CONDENAR a CEF a restituir à parte autora os valores pagos a título de encargo mensal em valor superior ao devido desde 06.10.07, atualizados pela TR (art. 23 da Lei n. 8004/90) e acrescidos de juros de 1% ao mês, estes a partir da citação.

Condeno as requeridas ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 1.000,00 para cada ré, a serem atualizados pelo IPCA-E, bem como das custas processuais, sendo devidos 50% pela CEF e 50% pela Caixa Seguradora.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Novo Hamburgo, 12 de janeiro de 2011.


















THAIS HELENA DELLA GIUSTINA KLIEMANN
Juíza Federal Substituta